Por Ricardo S. Araújo
Motor 24
CRÓNICA:
O dia em que Carlos Vieira renasceu
O episódio que mudou a
vida de Carlos Vieira na Marinha Grande, em junho de 2018, é bem conhecido de
todos os adeptos do automobilismo em Portugal. Um grave acidente no Rali
Vidreiro atirou-o para uma cama de hospital e para um cenário de incerteza
quanto à sua plena recuperação, não para o desporto, porque esse é secundário
nestas circunstâncias, mas para a vida diária, para as coisas mais simples do
quotidiano. Carlos Vieira não se lembra, mas a rápida ação dos médicos da
prova foi o primeiro passo de um longo, longo caminho. Um caminho que ainda não
acabou, mas que teve um momento muito especial este sábado, no Autódromo
Internacional do Algarve, na corrida do Campeonato de Portugal de Velocidade de
Clássicos.
O
quadro parecia ter sido pintado pelos deuses do automobilismo: uma pista
fabulosa, daquelas que distinguem os homens dos meninos, um Ford Escort RS
propositadamente evoluído e alargado para o Grupo 5, só “para me poder divertir
com o Porsche do João Macedo Silva”, e um asfalto húmido que permitiu minimizar
o poderio do famoso Porsche RSR laranja que domina as corridas de Clássicos em
Portugal. Macedo Silva arrancou da pole position, mas um pião deixou o Escort
RS na frente de todo o pelotão ainda na primeira volta… e já mais ninguém parou
Carlos Vieira.
A partir de determinada
altura, o antigo campeão nacional de Ralis corria contra si próprio, contra os
seus limites, contra os fantasmas de um passado que quer deixar a muitas voltas
de distância. Porque as voltas num circuito são como as voltas da vida: há
altos e baixos, há dificuldade e superação, há lágrimas e risos. E, um ano e
meio depois, Carlos Vieira voltou a sorrir no preciso momento em que aquela
bandeira de xadrez voou à sua frente.
“Estou
muito contente por ter voltado”, referiu com a
simplicidade e a honestidade que lhe renderam uma multidão de adeptos nas
corridas, fato completamente branco, olhos no infinito, uma coragem quase tão
grande na pista como fora dela. As memórias sobre o momento que mudou tudo são
sinapses apagadas para sempre: “Não me
lembro de nada. O cérebro apagou completamente o que aconteceu a partir do
arranque para aquele troço. Só me lembro de pormos os capacetes, a partir daí
nada. O coma… só me lembro de acordar no hospital, com as lesões que tinha e
com dores sobre-humanas. Uma coisa indescritível, algo que não desejo aos meus
inimigos, apesar de não os ter. É realmente desumano o que passei e o que ainda
estou a passar, porque recuperei muito neste ano e meio mas faço todos os dias
fisioterapia e ainda tenho muitas dificuldades motoras. Sei que nada vai ser
igual, mas consegui recuperar e estar onde gosto de estar. A vida profissional
voltou a ser igual há já um ano. A parte física e de mobilidade, vou
recuperando. Vamos ver até onde é que vai”, atirou antes de se afastar para
saborear a vitória em privado. Uma vitória sobre o destino.
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